Mas a Serra da Capivara não é apenas um "rostinho" bonito. Além de todas suas belezas naturais, é ainda o local com a maior quantidade de pinturas rupestres do mundo e a maior concentração de sítios pré-históricos do continente americano e ainda Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO.
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Uma pequenina amostra das belezas da Serra da Capivara |
Mas tudo isso está ameaçado!
Na última terça-feira (16/08) muitos jornais noticiaram que o Parque estava fechado, mas isso NÃO é verdade. Pelo menos, não por enquanto. E se Deus quiser isso não vai acontecer nunca! Mas o fato é, o Parque não tem dinheiro pra se sustentar, está numa situação crítica que já vem se arrastando há anos, mas que agora atingiu seu ápice... ou o fundo do poço, como queiram!
Os Parques Nacionais Brasileiros são geridos pelo ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação à Biodiversidade -, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. No entanto, a Serra da Capivara é o único Parque Nacional brasileiro que não é administrado pelo órgão federal, mas sim através de um convênio com a Fumdham - Fundação Museu do Homem Americano -, entidade civil, sem fins lucrativos. Até aí tudo bem, sempre funcionou assim. Só que esse convênio entre o ICMBio e a Fumdham está expirado desde o ano passado (agora não me perguntem o porquê, não consegui entender). Dessa forma, os recursos não estão sendo repassados. Pra vocês terem uma ideia, esse ano a Fumdham não recebeu NENHUM repasse do Governo Federal!
O Parque só consegui se manter nesses meses graças a uma verba de 400 mil reais doada, no início do ano, pelo Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico, responsável pela preservação dos sítios arqueológicos da Serra da Capivara.
“Eu acho que perdi realmente a minha confiança no Brasil, inclusive estou pensando que tenho que voltar para a França, porque aqui não deu certo. Estou com idade avançada, problema de saúde. Pra mim é o fim de tudo isso. Para me substituir tem pessoas da própria cidade que se formaram e fizeram pesquisa conosco e podem continuar o trabalho se tiverem coragem, mas sem dinheiro não podem fazer nada". Niède Guidon em
entrevista dada à Teresina FM no último dia 13 (julho/2016).
É muito triste ouvir isso, mas eu não tiro a razão dela. Não dá pra viver num lugar onde você trabalha praticamente sozinho, sem a ajuda dos órgãos responsáveis. Você dá sua sua energia, seu dinheiro, sua saúde, sua vida, pra preservar um patrimônio que é nacional - aliás, mundial - e "ninguém" se importa com isso.
A Serra da Capivara só é o que é hoje graças à Niède. A primeira vez que ela pisou lá foi em 1973 e ficou encantada com a quantidade de sítios arqueológicos e com a beleza da paisagem. Voltou alguns anos depois com vários pesquisadores para explorar melhor o lugar. Junto com outros pesquisadores se mobilizaram e conseguiram criar o Parque, com o intuito de proteger todo aquele patrimônio. Assim, em 1979, o Parque Nacional Serra da Capivara foi inaugurado. Mas ele só começou a funcionar como um local turístico, anos depois quando foi criada a Fundham, presidida pela própria Niède. E assim, um projeto de desenvolvimento turístico foi desenvolvido com recursos do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento. Foi construída uma infraestrutura maravilhosa, digna de 1° mundo. Foi tudo pensado no mínimos detalhes de forma a conservar os sítios e interferir o mínimo na paisagem. E estava tudo funcionando bem, na medida do possível, até hoje!
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Pintura símbolo do Parque Nacional Serra da Capivara |
Só que para o Parque da Serra da Capivara funcionar de uma maneira ideal, são necessários 400 mil reais por mês. Mas há anos ele não tem conseguido receber verbas com regularidade e tem enfrentado problemas financeiros. O Parque funcionou bem até mais ou menos 2002. Depois disso as coisas começaram a ficar complicadas. E a situação vem se agravando cada vez mais nos últimos anos.
Uma das razões é que os repasses que eram feitos naturalmente todos os anos e garantiam o bom funcionamento do Parque, não estão mais sendo feitos como antes. Em 2008, o governo mudou a lei de compensação ambiental e as empresas não são mais obrigadas a passar o dinheiro diretamente para as instituições. Agora, o dinheiro é enviado para um Fundo de Compensação Ambiental em Brasília, para depois ser repassado às instituições. E aí, vocês já podem imaginar o que acontece com esse dinheiro em Brasília, né?
A situação é tão grave que a própria Nièden Guidon, já chegou a tirar dinheiro do próprio bolso, várias vezes inclusive, para pagar funcionários e outras despesas do Parque. Só no ano passado, dois terços dos funcionários tiveram que ser demitidos. Mas agora, em 2016, a situação se agravou ainda mais e chegou ao limite.
Eu sou bióloga, meu mestrado foi com unidades de conservação, e sei bem o quão difícil é a realidade dos nossos parques, sejam nacionais, estaduais ou mesmo municipais. Todos lutam contra falta de dinheiro, de apoio, de funcionários, de fiscalização, além de problemas com caça ilegal, depredação, incêndios criminosos e por aí vai, a lista de problemas é imensa! Morro de tristeza, de raiva, de desgosto, de sei lá o que...
É angustiante saber que lugares incríveis, como o Parque Nacional Serra da Capivara (e tantos outros parques brasileiros), sofrem com o descaso das autoridades e estão completamente à míngua. Que anos e anos de história podem simplesmente ser apagados devido à falta de manutenção dos sítios. Que existe o risco de as pessoas não terem mais a oportunidade de conhecer um lugar tão especial como esse.
E quantas novas descobertas poderão deixar de ser feitas por falta de pesquisas? Foi graças aos achados da Dra Niède e de sua equipe que a história do homem americano foi mudada! Acreditava-se que o homem havia chegado às Américas pelo Estreito de Bering, há cerca de 15 mil anos, e ocupado todo o continente. No entanto, foram encontrados vestígios bem mais antigos da presença humana na Serra da Capivara. Através de técnicas de datação pelo carbono 14 e por termoluminescência, os pesquisadores chegaram à conclusão que a presença humana na área tem pelo menos 100 mil anos de história. Impressionante, não?
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Pesquisadores trabalhando em um dos sítios arqueológicos da Serra da Capivara, em julho de 2016. |
Agora a pergunta é: O que pode salvar o Parque da Serra da Capivara? Dinheiro! Simples assim! Porque pessoas competentes e dispostas a trabalhar lá tem de sobra! Mas sem dinheiro, não há como fazer nada.
Mas como conseguir esse dinheiro? Bom, aí é que está o problema. A obrigação de manter o Parque Nacional Serra da Capivara funcionando é do Governo Federal, tanto do Ministério do Meio Ambiente, na figura do ICMBio, o responsável direto pela manutenção do Parque; como também do Ministério da Cultura, no papel do Iphan, que é responsável pela manutenção dos sítios arqueológicos.
Mas eu ainda acredito que o Ministério do Turismo também deveria entrar na jogada para alavancar o turismo na região. O Parque tem capacidade de receber 6 milhões de turistas por ano. E recebe apenas 25 mil pessoas! O que falta? Incentivo ao turismo, porque atrativos ele tem de sobra!
O recém inaugurado aeroporto de São Raimundo Nonato começou a ser construído em 1997 (!!!) e só ficou pronto recentemente. Há 2 anos, a própria Niède Guidon chegou a doar 100 mil reais, de um prêmio que ganhou, para finalizar as obras do aeroporto. Ela acredita, assim como eu também, que o turismo pode ser a salvação do Parque. Se houvesse um fluxo constante e significativo de turistas, o Parque conseguiria se auto sustentar, sem ficar tão dependente de verbas públicas.
Mas ainda há muito a ser feito nesse sentido. O aeroporto só começou a receber voos em junho desse ano e ainda é muito subaproveitado. São apenas 2 voos semanais com capacidade para 9 passageiros. Fora isso, o aeroporto mais próximo fica a 300km, em Petrolina, Pernambuco. Mas com as condições precárias das estradas, a viagem de ônibus entre as 2 cidades dura quase 6 horas. A única outra opção é chegar pela capital do Piauí, Teresina, que fica a mais de 500km de distância. Ou seja, não é nada fácil chegar à Serra da Capivara. Pra piorar, a rede hoteleira da região é fraquíssima, bem como toda a infraestrutura das cidades do entorno. Complicado, né? Mas que tem potencial, tem! Basta ter interesse, tanto público como privado também.
Mas enquanto isso não acontece... a obrigação de salvar manter o Parque é toda do ICMBio, órgão gestor responsável pelas unidades de conversação brasileiras. No entanto, mesmo diante de toda essa polêmica acerca do possível fechamento do Parque, O ICMBio apenas informou que existem R$ 969 mil do fundo de compensação ambiental para serem repassados à Fumdham. Porém o valor está bloqueado em conta na Caixa Econômica Federal por decisão do TCU - Tribunal de Contas da União. O dinheiro será repassado assim que forem resolvidos impasses burocráticos.
Ou seja... não dá pra contar com esse dinheiro tão cedo. Só que a situação é urgente, o Parque precisa de dinheiro AGORA! Mas eles não parecem estar muito preocupados com isso. Pra vocês terem ideia de como a coisa é complicada, em fevereiro desse ano, uma decisão judicial determinou que o ICMBio repassasse cerca de 4 milhões de reais da Compensação Ambiental à Fumdham. Mas eles recorreram e o dinheiro não foi liberado até hoje. E sabe-se lá se um dia será!
Mas e aí? E agora?
Bom, o Governo Estadual do Piauí entrou na jogada e, em caráter emergencial, destinou pouco mais de 100 mil reais para garantir a fiscalização e vigilância do Parque, pelo menos até o próximo mês. Prometeu ainda que fará outros repasses nos meses seguintes.
Já o Ministério do Meio Ambiente, também em caráter emergencial, liberou um milhão de reais, do seu próprio orçamento. Só que esse dinheiro será totalmente destinado ao pagamento dos salários já há 4 meses atrasados (!!) dos guardas parque que estão temporariamente desviados de função, trabalhando nas guaritas do Parque. Mas aí vem a questão: quem desempenhará o papel desses guardas parque? Com esse desvio de função, garante-se a visitação, mas o Parque fica totalmente desprotegido, sujeito a invasões, caça, depredações, e por aí vai. Então, tapa-se o buraco de um lado e destapa-se de outro. Complicado, né?
Ou seja, efetivamente, nenhuma dessas verbas será destinada à Fumdham, que continua sem recursos para manter as atividades do Parque.
Maaaas há esperança! Já foi assinado um contrato de renovação de patrocínio com a Petrobrás. O problema é que o dinheiro só será liberado no fim de setembro mas, ao que tudo indica, já está tudo certo! O dinheiro vai demorar pra entrar, mas vai chegar!
E amanhã, dia 23/08, acontecerá uma reunião entre o Governador do Piauí, Wellington Dias, e o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, para tentar solucionar o caso. Parece que o governador irá propor uma gestão tripla entre os governos Estadual, Federal e a Fumdham. Veremos...
ATUALIZAÇÃO EM 23/08
Na reunião de hoje entre os governos federal e do Piauí, ficou acertado que “haverá uma gestão do Ministério, através do ICMBio e do Iphan, e do Estado, além da Fundham, o que vai permitir termos as condições para a criação de um fundo que garantirá a segurança permanente para a gestão e funcionamento do Parque. Podendo haver a captação de recursos de outras fontes”. E que até o final do ano, cerca de R$ 900 mil serão aplicados de maneira emergencial.
Se for isso mesmo, temos uma luz no fim do túnel! Agora, antes de mais nada, temos que ver como as coisas realmente irão caminhar. Porque "gato escaldado tem medo de água fria", nééé?
Mas que temos que ter em mente é que não adianta apenas liberarem um valor x só pra "apagar o incêndio". Lógico que ajuda, mas não resolve o problema. O Parque precisa de investimentos constantes e de um sistema eficiente e ininterrupto de repasse de verbas. Só assim poderá, definitivamente, sair do buraco que se encontra e voltar a desempenhar seu papel de forma plena.
É inconcebível o descaso com que um lugar de tamanha importância, como a Serra da Capivara, está sendo tratado! Mas acredito que, um grande problema que o Parque enfrenta é que a grande maioria da população brasileira simplesmente não sabe sequer da sua existência! E como lutar por algo que você não conhece? Que não tem nenhum vínculo, nenhuma ligação, nenhum sentimento? Difícil, né?
Tem uma frase, do Aloísio Magalhães, ex-secretário de cultura do MEC e ex-diretor do Iphan, que eu gosto muito e que ilustra perfeitamente situação.
“Só se ama o que se conhece e só se preserva o que se ama”
Pra mim essa frase é perfeita! A gente só vai realmente lutar, "comprar briga" por algo que a gente ama. E para você amar um lugar, você precisa conhecê-lo. E não estou falando só de conhecer pessoalmente não. Você pode amar um lugar que conhece apenas por fotos e vídeos, conhece a história, reconhece sua importância. Só assim, a luta é verdadeira! Feita de coração! De corpo e alma!
E foi exatamente por isso que essa notícia mexeu tanto comigo. Digamos que eu já gostava da Serra da Capivara antes mesmo de conhecê-la. Mas só depois que estive lá, vi e senti o lugar é que eu me apaixonei! E é por essa razão que eu acredito que quanto mais pessoas ficarem sabendo da existência da Serra da Capivara, quanto mais pessoas a conhecerem, maior será a indignação, maior será a mobilização, maior será a luta. E maior será a chance da situação ser revertida.
Quem assistiu à Cerimônia de Encerramento da Olimpíada ontem viu a bela homenagem que foi feita à Serra da Capivara. Achei importantíssimo! Uma forma eficiente de atingir muitas pessoas e se fazer conhecer nacional e internacionalmente. A minha bronca é que, durante a transmissão, a Rede Globo sequer fez uma mínima menção à situação crítica na qual o Parque se encontra. Fala sério! Teria oportunidade melhor para milhares de pessoas ficarem sabendo o que está acontecendo com o Parque? Já os apresentadores da ESPN e SporTV cumpriram direitinho seus papéis de jornalistas e cidadãos e expuseram a situação. Não fizeram mais do que a obrigação, é verdade, mas merecem nossos parabéns e agradecimentos!
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Figuras rupestres da Serra da Capivara tomando conta da Cerimônia de Encerramento da Olimpíada - Rio2016.
Foto: PortalSRN |
Mas, convenhamos, o alcance da toda poderosa Rede Globo é infinitamente maior que das outras 2 emissoras. A repercussão seria muito maior, atingiria um número enorme de pessoas e o governo acabaria se sentido muito mais pressionado também. Custava alguém ter dado um toque no Galvão Bueno? Era só colocar lá no meio do script pra ele ler! Quando ele precisava falar, ficou calado!
Só nos resta tentar fazer com que mais pessoas conheçam a história da Serra da Capivara, entendam sua importância e lutem por sua preservação. Vamos divulgá-la ao máximo!
Use a hashtag #SalveaSerradaCapivara e participe do movimento!
Que triste!! #SalveaSerradaCapivara
ResponderExcluirParabéns pelo Post Renata!!!
Muito obrigada, Dudu!
ExcluirTriste demais, né? :(
Já vou compartilhar loucamente por aqui! Muito triste né Dudu?
ResponderExcluirObrigada, Fernanda!
ExcluirBora lutar pra salvá-la!
Triste demais!
bjos
Parabéns pelo post, Renata! Acho importantíssimo discutirmos bastante esse tema mesmo para envolver o máximo de pessoas nessa luta.
ResponderExcluirObrigada, Thais!
ExcluirÉ importante envolvermos o máximo de pessoas mesmo!
Obrigada pela divulgação!
Renata, mitou com este post! Muito obrigada por compartilhar estas informações! Vou compartilhar agora! bjs
ResponderExcluirMuito obrigada, Liliane!!
ExcluirE obrigada ainda mais pela divulgação!
Bjos
Rê, muito obrigado por compartilhar isso tudo! Fiquei muito impressionado com o Parque e muito triste pelo descaso. Vou compartilhar em nosso Facebook.
ResponderExcluirDe qualquer forma, parabéns pelo texto. Sua análise ficou incrível!
Oi João, muito obrigada!
ExcluirRealmente o lugar é incrível e muito triste o descaso com que vem sendo tratado!
Obrigada por compartilhar! :)